Clubes Brasileiros – Alocação de Recursos x Eficiência Operacional

Postado em 31 de agosto de 2020   artigos

Análise de Tercis – Índice Placar/ Itaú-BBA

No artigo anterior, começamos a analisar alguns dados provenientes das finanças dos clubes de futebol brasileiros feitas pelo o Itaú-BBA. Ao observarmos a participação de cada uma das fontes de receita, notamos uma maior dependência das transações de atletas ao exterior. Mas, esse relatório traz também um score da situação financeira dos clubes brasileiros extraído a partir de 9 índices, gerados a partir das informações disponíveis em balanço.

Pensando em uma escala que varia entre -2 e 2, um clube pode ter o pior desempenho possível, equivalente a um índice de -12, ou alcançar o melhor desempenho possível com índice de 13. Quando se analisa o índice consolidado de todos os clubes analisados, o Futebol Brasileiro apontou, em 2019, índice de -8. Situação complicada, né?

Em 2018, esse índice foi de -5,então, mesmo com o aumento das receitas, no ano passado, houve uma piora na saúde financeira dos clubes. Vale lembrar que, em função da pandemia da COVID-19, aos clubes foi permitido um aditamento ao prazo de 30 de Abril para publicação de seus balanços, comprometendo algumas análises individuais.

A partir do índice apresentado para cada clube do relatório, separamos em tercis os 24 clubes. O quadro abaixo resume a proposta de análise:

 1° Tercil – Clubes que nos quais os Custos & Despesas estão acima das receitas, remetendo à geração de caixa negativa. Isso leva ao aumento de seus níveis de endividamento. Níveis altos de endividamento impedem investimentos necessários, seja em estrutura (ex: centros de treinamento) ou em atletas e treinadores que possibilitem a conquista de títulos.

E, quando ouvimos frases como “clube não é banco para dar lucro”; há de se ponderar dois aspectos:

  • realmente, clubes de futebol não focam no lucro, como objetivo – perante a lei são isentos de uma série de impostos, em função deste caráter;
  • os clubes devem visar excedente financeiro para que possam fazer investimentos de forma sustentada.

2° Tercil – Clubes em momento transitório em suas finanças. Embora apesentem redução de seus custos e endividamento em queda ou estabilizado, apresentam, ao mesmo tempo, estagnação ou redução em suas receitas e sustentam níveis de geração de caixa positivo por meio da venda de atletas durante as janelas internacionais de transação.

3° Tercil – Clubes como característica de crescimento em suas receitas e níveis de envidamento considerados baixos, segundo avaliação do Itaú-BBA. O grande destaque deste grupo é o Flamengo, mas vale ressaltar os ótimos indicadores apresentados por Ceará, Goiás e Palmeiras, cada qual considerando seu respectivo efeito massa – o Efeito de Massa de um ativo estabelece que quanto mais se tem deste determinado ativo, mais fácil fica conseguir maiores quantidades deste ativo (no caso recursos financeiros e jogadores de qualidade).

Análise de Clusters

Para completar a análise em Tercis, que se utilizou somente do índice Placar Itaú-BBA, dividiremos 24 clubes analisados em cluster – agrupamento de objetos, em diferentes grupos, segundo alguma função de distância estatística. Tais clusters serão gerados a partir das variáveis:

  • EBITDA ou Geração de Caixa – Para clubes de futebol, representa o quanto sobra de dinheiro para pagar o serviço de suas dívidas e realizar investimentos (infraestrutura e atletas);
  • EBITDA Recorrente ou Geração de Caixa – Desconsiderando Receitas não Recorrentes – ex: venda de atletas utilizada para pagar o serviço de suas dívidas e realizar investimentos (infraestrutura e atletas);
  • Custos & Despesas – Equivale ao total de gastos apresentados;
  • EBITDA Recorrente/Custos & Despesas – Relação que indica, percentualmente, a sobra ou o déficit de caixa de cada clube para pagamento de seus gastos.

Este caminho nos possibilita considerar o “Efeito Massa” de cada clube, enquanto a relação entre a Geração de Caixa Recorrente/ Custos & Despesas nos permite analisar o excedente/déficit que cada clube possui, devidamente ajustado pelos seus respectivos gastos.

O dendrograma abaixo, representação gráfica do processo de Análise de Agrupamentos, permite visualizar a clusterização gerada a partir das variáveis, e a relação entre variáveis escolhida para a análise estatística proposta:

clusterAmérica-MG, Paraná Clube, Ponte Preta, e Vitória EC. Apresentam similaridades como: Receitas em queda, Custos acima das Receitas, remetendo à dívidas crescentes e a pouca capacidade de investimentos em atletas qualificados e que possam trazer retorno esportivo, técnico e financeiro. No relatório do Itaú-BBA encontramos a seguinte expressão: “investimentos compatíveis a condição esportivo-financeira”; que remete à um aprisionamento dos clubes em um ciclo-vicioso.

cluster Botafogo, Ceará, EC Bahia, Fortaleza, Fluminense e Vasco. Embora seja possível visualizar momentos distintos entre eles, as consequências são similares. Enquanto o Botafogo sofre com altíssimo serviço de sua dívida, a qual consome quase que integralmente sua capacidade de investimento em atletas de qualidade, o Bahia, Ceará e Fortaleza conseguem qualificar seus elencos e suas estruturas.

Ao que parece, este cluster é inconsistente por conter clubes com realidades tão distintas, certo?

Bem… Quando analisamos a geração de caixa recorrente de Bahia, Ceará e Fortaleza, excluindo a venda de atletas, há maior similaridade entre a capacidade de investimento deles com o Botafogo de Futebol e Regatas.

Quando analisamos Fluminense e Vasco, podemos verificar situações semelhantes com relação às consequências. Enquanto o Fluminense depende da venda de atletas para manter seus investimentos, o Vasco faz investimentos além de sua capacidade, remetendo à crescimento das dívidas e maior pressão em fluxo de caixa. Este cluster reúne os clubes que devem gastar de acordo com suas receitas recorrentes e não dependerem da venda de atletas para “fecharem a conta”.

cluster – São os times de camisa e tradição. A similaridade observada, infelizmente, tem pouca relação com a quantidade de títulos recentes. Detentores de torcidas em nível nacional: Atlético-MG, Corinthians, São Paulo e Santos; apresentam Custos crescentes em patamares superiores às suas Receitas recorrentes, fluxos de caixa pressionados, endividamento crescente, e investimentos, especialmente em atletas, acima de suas possibilidades. O Santos, muito em função do bom desempenho esportivo que remeteu ao aumento de suas Receitas, além da eficácia na venda de atletas, apresenta melhor situação, quando comparada a seus “companheiros” de clusters.

cluster –  Clubes que ou obtiveram acesso, ou mantiveram-se na Série A. Desta forma, houve aumento nas Receitas de TV e, assim, uma maior geração de caixa recorrente. Atlético-GO, Goiás, RB Bragantino e Sport-PE apresentaram receitas com cresmento superior a seus Custos & Despesas (efeito do aumento nas cotas de TV da Série B para a Série A) e melhor relação entre Receitas e Endividamento. O Sport-PE notabilizou-se pelos fortes cortes em Custos & Despesas. Importante frisar que Atlético-GO e Goiás tem forte dependência das Receitas de TV, enquanto o RB Bragantino depende dos aportes feitos por seu patrocinador/controlador. Na nossa análise, um caminho interessante a estes clubes é o aumento de suas receitas de MatchDay (Bilheteria + Sócio Torcedor).

cluster –  Clubes que apresentam aumento em suas Receitas e endividamento estável e equilibrado. Athletico, que apresenta os melhores indicadores financeiros, e Grêmio, com crescimento e diversificação em suas receitas além de endividamento equilibrado e estável, muito embora com os Custos crescendo em ritmo superior ao das Receitas, compõem esse cluster. O Internacional, que vem financiando seus custos e investimentos através da venda de atletas, é o terceiro integrante deste cluster.

Então, por quê o Internacional não está junto de Vasco e Fluminense, por exemplo?

Ao utilizarmos na análise: EBITDA, EBITDA Recorrente, e Custos & Despesas; consideramos o Efeito Massa de cada clube. Ao mesmo tempo, a relação entre a Geração de Caixa Recorrente/ Custos & Despesas nos permite analisar a eficiência operacional de cada clube, igualando-se ordens de grandeza diferentes. Então, podemos considerar que o Internacional não apenas apresenta maior Geração de Caixa, como, também, a maior eficiência operacional vs. Fluminense e Vasco – clubes do 2° cluster.

cluster – Com Clube de Regatas Flamengo, o grande campeão de 2019, e a Sociedade Esportiva Palmeiras. Não coincidentemente, clubes que rivalizaram a disputa do título Brasileiro nos anos de 2016 e de 2018. Embora o Flamengo tenha sido também o grande campeão fora de campo, com aumento das Receitas, controle dos Custos e do nível de endividamento, o Palmeiras apresentou melhor relação entre a Geração de Caixa Recorrente os Custos & Despesas.

Considerando flutuações entre diferentes exercício, Flamengo e Palmeiras são as principais referências de mercado, indicando um caminho a ser seguido por todos os demais clubes, considerando-se as respectivas particularidades.

O importante, como já mencionamos, é que os clubes busquem  excedente financeiro para que assim realizem os investimentos necessários em infraestrutura e em atletas, que tragam retorno técnico. E, lembrando que atletas que geram retorno técnico não estão, necessariamente, relacionados aos valores de seus direitos econômicos e federativos, tão pouco relacionados ao Efeito Massa dos clubes pelos quais jogam.

Embora não possamos afirmar, não é difícil imaginar que hajam ineficiências de mercado em termos do valor pago a atletas, considerando-se direitos econômicos e federativos + salários. Desta forma, entende-se que é possível, por meio de uma maior eficiência na alocação de recursos, que os clubes, com grande eficiência operacional, rivalizem os grandes clubes do nosso futebol.

E o Cruzeiro? Bom, o Cruzeiro, em função de tudo o que se pode observar nos meios de comunicação, momentaneamente, considerando-se o exercício de 2019, é um exemplo a não ser seguido.

Até a próxima!