Ferramentas Financeiras – Antecipação de ganhos & resultados no Futebol

Postado em 22 de março de 2022   artigos

Por Andréa Mascitto[1] e Paulo Zago

Momento do Futebol Brasileiro

Podemos considerar que o ano de 2019 foi um divisor de águas aos clubes brasileiros. Esse “marco” na vida institucional dos clubes foi ocasionado por um evento que permanecerá na memória das próximas gerações: a PANDEMIA. As medidas sanitárias, tão necessárias ao combate da COVID-19, trouxeram fortes impactos as finanças dos clubes brasileiros.

Embora, de forma geral, a situação financeira dos clubes brasileiros, antes mesmo da pandemia, já remetesse à ausência de excedente financeiro para acomodar os custos e investimentos de suas atividades, a perda das “Receitas de Jogo”, consequência direta do fechamento dos estádios por quase 20 meses, agravou uma realidade já bastante dura.

Quando analisamos o relatório do Itaú-BBA, publicação relevante para a agenda executiva do segmento, podemos constatar que as receitas de Bilheteria e dos Programas de Relacionamento, chamados de “Sócio Torcedor”, somam mais de R$ 1,0 bilhão de reais/ ano. Quando analisamos os 10 clubes com as maiores médias de público da Temporada 2019, o volume financeiro com a venda de ingresso soma R$ 389,5 milhões/ temporada. Além do hiato de 20 meses sem público, os clubes vêm enfrentando alguma dificuldade de rentabilizarem seus jogos neste retorno, passando pela limitação no número de assentos vendidos pelos órgãos competentes, até insegurança dos torcedores em voltarem a frequentar os estádios.

Além dos fatores já mencionados, há outras questões conjunturais que aumentam a pressão financeira sobre os clubes brasileiros. Recentemente houve alteração na chamada “Lei do Mandante”, lei que alterou a dinâmica nas negociações entre clubes e meios de comunicação pelos “Direitos de Transmissão”. Muito embora os clubes possam, por meios próprios ou de parceiros, venderem conteúdo digital a seus torcedores, a alteração do marco regulatório afastou os meios de comunicação tradicionais da transmissão dos Campeonatos Estaduais, conteúdo pelo qual as TVs pagavam aos clubes um valor “líquido e certo” pelo direito a sua transmissão. Ao mesmo tempo que a exploração do universo streaming gera aos clubes uma janela de oportunidade no médio e longo prazo, há um impacto imediato em suas finanças no curto prazo, impacto o qual não necessariamente será coberto pelas novas receitas geradas pela venda de conteúdo digital a seus torcedores.

Complementarmente ao maior risco assumido, esta alteração limitou ainda mais o acesso dos clubes a crédito. Importante frisar que os “Direitos de Transmissão”, em função de sua previsibilidade e da qualidade de crédito do agente pagador, constituem-se como importante mecanismo de antecipação de receitas aos clubes para que, em função da sazonalidade da sua atividade, possam honrar seus compromissos em momentos de inatividade esportiva, período no qual apresentam menor capacidade de arrecadação. Aos clubes resta apenas antecipar os “Direitos de Transmissão” dos Campeonatos Nacionais, os quais têm apenas 40% de seus valores pré-definidos, sendo o restante definido por performance esportiva.

O São Paulo Futebol Clube recorreu, em 2019, a estruturação de FIDC referente a 40% dos valores de suas cotas de TV negociadas junto a Rede Globo. O volume do fundo foi de R$ 37,0 milhões, entre cotas principais e subordinadas, representando pouco menos de 10% das receitas operacionais do clube em 2019.

Tais como essa, é certo que há soluções que podem trazer mais liquidez aos clubes de futebol, de forma a recompor a capacidade de pagamento e investimento do segmento.

Em função das oportunidades que o mercado representa, alguns agentes financeiros passaram a olhar com mais cuidado ao segmento, trazendo ideias bastante inovadoras aos clubes para financiamento de suas operações.

Talvez a solução mais inovadora com a qual os clubes possam contar atualmente é a “tokenização de ativos”. A “tokenização de ativos” nada mais é que a representação digital de um determinado ativo, o qual pode ser um fluxo de recebíveis futuros – ou seja, uma receita que ainda não aconteceu mas que tem alta probabilidade de se materializar. Utilizando-se da tecnologia de blockchain, a “tokenização de ativos” permite converter ativos com valor economico em formato o qual possibilite sua negociação entre tomadores e aplicadores de recursos, de forma rápida e menos custosa. O “token” é a fração do ativo digitalizado e seu tamanho/ valor permite que aplicadores de recursos comprem apenas uma parte deste ativo, reduzindo sua exposição ao risco. O “tamanho do investimento”, representada pela quantidade de “tokens” adquiridos, é determinada pelo apetite a risco que cada investidor tem, função direta dos rendimentos prometidos pelo detentor daquele ativo. Para não ficar algo complicado de entender, vamos tomar como exemplo os tokens atrelados ao chamado “Mecanismo de Solidariedade”.

O que vem a ser este mecanismo?

Quando um jogador de destaque é negociado, muitas vezes é noticiado que determinado clube, que se convencionou chamar de “clube formador”, terá uma participação da negociação. Esta participação é o chamado “Mecanismo de Solidariedade”, instituído pela FIFA e que visa incentivar financeiramente os clubes, de forma clara e objetiva, a formarem novos talentos. Desta forma, clubes de menores expressão, em países sem o mesmo poder financeiro que os grandes centros europeus e asiáticos, passam a deter uma pequena parcela dos valores pagos a jogadores de primeira grandeza do futebol mundial. Quando o PSG contratou Neymar do Barcelona, o Santos teve uma compensação financeira por ter formado o atleta. Quando o Barcelona tirou Philippe Coutinho do Liverpool, o Vasco da Gama recebeu valores referentes a negociação entre os gigantes europeus. Embora o instrumento gere “novas receitas” aos clubes, os valores que um determinado jogador gerará, através da venda de seus direitos econômicos e federativos, ao clube formador são incertos e não necessariamente ocorrem no momento que o clube formador mais necessita de recursos financeiros.

Como usar antecipar estes recursos aos clubes formadores?

Através de modelos quantitativos é possível estimar qual o valor gerado por um perfil de atleta, a seu(s) clube(s) formador(es), ao longo de sua carreira. Através da tokenização do “Mecanismo de Solidariedade” transforma-se esse fluxo futuro de receitas em “tokens”, que serão adquiridos por investidores através de uma operação de “cessão de direitos”. Desta forma, o clube formador cede estes direitos futuros e recebe, como contrapartida, recursos financeiros de forma antecipada, já descontando-se a despesa financeira/ spread da operação. Como resultado o clube aumenta sua liquidez e transfere o risco de performance da “cesta de atleta” aos detentores de tokens, que por sua vez terão a oportunidade de terem ganho financeiro quando esta mesma cesta for negociada. Os custos/ descontos financeiros da operação e volumes de tokens emitidos/ valores captados podem variar caso a caso.

Complementarmente a antecipação dos recebíveis atrelados ao “Mecanismo de Solidariedade”, a tokenização, ainda através do emprego de modelos quantitativos na estruturação e precificação da operação, permite que se antecipe Receitas de Bilheteria e de Sócio Torcedor. Os modelos quantitativos desta natureza permitem estimar, com alta assertividade, o volume financeiro gerado por um clube com a venda de ingressos e/ou de adesões a programa de fidelidade. Como consequência, dá-se a oportunidade ao clube de ceder estes direiros futuros ainda não performados a investidores e gerar um volume financeiro que permita ao clube aumentar sua capacidade de investimento no início da temporada e, desta forma, ter um planejamento mais qualificado e assertivo de contratações.

Além da acomodação de gastos correntes e/ou investimentos, a antecipação de recebíveis pode ser um importante instrumento para redução do endividamento dos clubes, seja viabilizando um reperfilamento mais “amistoso” ao serviço da dívida, seja permitindo quitação à vista com desconto máximo pelo mecanismo da transação tributária, por autorização do artigo 8°, da Lei 14.073/20, que trata de operações estruturadas, seja pagando débitos que seu inadimplemento remeta à sanções esportivas e/ou governamentais.

Em casos nos quais o endividamento supera em algumas vezes as receitas correntes de “Jogo” e “Venda de Atletas”, por exemplo, a alternativa pode ser a alienação de um ativo imobilizado, de propriedade do clube, através de uma operação de “sale and leaseback”. Ou seja, o clube cede os direitos sobre um ativo imobiliário, levanta uma importância financeira extremamente relevante e, ao longo do período da operação, vai pagando um “aluguel” aos investidores para o uso daquele ativo. Quando finda a operação, o ativo volta a ser de propriedade do clube. Embora, considerando a realidade brasileira, este tipo de situação parece improvável, o Grupo Mclaren, que dentre suas atividades destaca-se a equipe de Fórmula 1, fez uma operação desta natureza, com sua sede em Woking, no Reino Unido, e levantou cerca de R$ 870 milhões para reestruturar suas operações em função dos impactos gerados pela pandemia da COVID-19.

Tais soluções financeiras não dependem única e exclusivamente da tokenização de ativos. Como demonstra o exemplo do São Paulo Futebol Clube, é possível atender o segmento com a estruturação de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. De forma análoga a “tokenização de ativos”, o emprego de modelos quantitativos na precificação e gestão deste tipo de instrumento pode trazer mais segurança ao investidor e, desta forma, baratear o custo financeiro da operação. Consequência direta ao menor risco e menor custo, espera-se que este tipo de solução se torne mais difundida neste segmento que aponta para um futuro de maior regularização, gestão e compliance.

Até a próxima!

 

[1] Sócia da área tributária do Pinheiro Neto Advogados, coordenadora da executiva do grupo de estudos dedicado aos métodos alternativos de solução de controvérsias em matéria tributária da FGV Direito SP, professora da pós graduação da FGV Direito SP (GVLaw), conselheira do Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributárias ( IBATT), membro do Comitê Brasileiro de arbitragem tributária (CBAR) e da OAB-SP, mestre em tributário pela PUC-SP e cofundadora do Women in Tax Brazil (WIT).