Índice de Competitividade – Brasileirão vs. Ligas Europeias

Postado em 27 de abril de 2020   artigos

Competitividade nas Ligas Esportivas

Há diversas discussões sobre a competitividade das Ligas Esportivas. No Brasil, é comum a análise em começo de temporada citando que, diferente do que ocorre em Ligas Europeias, o Campeonato Brasileiro é o único, dentre as ligas mais representativas do mundo, que possui diversos postulantes ao título.

Como comparar a competitividade das ligas?

Nesse artigo, analisamos alguns dados de algumas ligas esportivas no mundo e discutimos alguns achados nos dados. Vamos lá?

Um pouco de teoria econômica de competição

Em economia, diz-se que um mercado é competitivo quando há “pressão” nos preços.[1] Isto é, alterações no preço de um competidor afetam a demanda do outro. De forma simples: se uma empresa de pães baixa seus preços e, ao fazer isso, rouba clientes de uma empresa de tortas, assume-se que há competição entre essas empresas.

A competição é resultante, principalmente, de duas variáveis:

  • nível de concentração: quantidade de empresas competindo;
  • nível de diferenciação possível no mercado;

Há um índice, denominado Herfindahl, que avalia a intensidade da competição mediante a análise do nível de concentração existente no mercado. Ele é calculado da seguinte forma:

A expressão matemática acima indica que o índice (H) é calculado com a soma das participações de mercado (q) das (N) empresas que atendem um determinado mercado. Se apenas uma empresa atende todo o mercado (portanto vendendo todas as unidades compradas), esse índice será 100%² = 1. Caso haja duas empresas, uma com 80% de participação e outra com 20%, o valor será: 80%² + 20%² = 0,68. Caso duas empresas dividissem o mercado de forma igualitária, o valor seria de: 50%² + 50%² = 0,50.

Baseado nestes exemplos simplificados já é possível compreender que: quanto mais próximo de 1; menos competitivo é um determinado mercado. Podemos adotar o seguinte critério para avaliar o valor do índice:

  • H até 0,15: setor não concentrado. Quanto mais próximo de 0,01, mais se aproxima de ampla concorrência
  • H entre 0,15 e 0,25: concentração moderada
  • H acima de 0,25: concentração elevada

No esporte, é aceito que clubes e equipes possuem dois tipos de objetivo: desempenho esportivo e desempenho financeiro. É um razoável consenso que o objetivo a ser maximizado é o esportivo, com respeito às restrições orçamentárias[2]. Além disso, há harmonia entre estudiosos do tema que bons resultados financeiros são antecedentes ao bom desempenho esportivo. Caso calculássemos esse índice, por exemplo, com a receita dos clubes (partindo do princípio de que a arrecadação dos clubes representam o quanto eles conseguem “abocanhar” do consumo do esporte), obteríamos o seguinte valor entre os clubes da série A do Brasil: 0,07.

Esse valor sugere que há uma intensa competição no mercado, embora aqui reconheçamos que os clubes possuem praças muito diferentes para serem exploradas comercialmente. Entretanto, para se avaliar a competitividade entre campeonatos, sugerimos uma comparação diferente usando o índice a partir da concentração de títulos.

Competitividade entre as principais ligas do mundo

Para avaliar essa dessa forma, utilizamos o índice de Herfindahl com a participação em títulos nacionais nos últimos 20 anos, comparando as seguintes ligas: Campeonato Brasileiro, Premier League, Calcio Serie A, La Liga, Bundesliga e Ligue 1.

Complementarmente, nós fizemos utilizamos o mesmo critério de avaliação para as Ligas Americanas de: futebol americano, beisebol, basquete e hockey no gelo. Analisando o período 2000-2019, os seguintes valores foram obtidos:

Ao analisarmos através da lente teórica proposta, é possível constatarmos que o Campeonato Brasileiro de Futebol, quando comparado com as principais Ligas Nacionais Europeias, apresenta uma concentração muito menor, o que significa uma competição mais intensa por títulos. É interessante notar, também, como esse valor se alterou ao longo dos anos, conforme gráfico abaixo:

Evolução do índice H - LIias Analisadas

As Ligas Europeias de futebol apresentaram aumento considerável de sua concentração de títulos. Enquanto isso, o Campeonato Brasileiro de Futebol manteve-se estável em seu nível de competitividade aos longo do período analisado.

O que pode explicar isso?

Partindo do princípio que o desempenho esportivo é resultado do investimento realizado, considerando-se algumas exceções observadas, o desequilíbrio é explicado pela concentração na arrecadação dos clubes. Há um efeito discutido em Economia/Administração que é o Efeito de Massa de um ativo: quanto mais se tem dele, mais fácil fica conseguir maiores quantidades dele[3].

O trabalho de Andreff (2011) [4] traz boas reflexões sobre isso: as formas de estruturação de competição nessas ligas é bastante diferente, com as ligas americanas funcionando como “sistemas fechados” na busca por receitas. Isto é, o modelo americano de organização impõe limites tanto ao investimento, representado pelos tetos salarias individuais de elenco, como também para as Receitas Obtidas. Quando analisamos as Ligas Nacionais Europeias, não encontramos regulação que possibilita menor concentração de títulos entre as equipes.

Onde queremos chegar?

Clubes como Real Madrid e Barcelona, em função dos milhões arrecadados em: direitos televisivos, patrocínios e bilheterias; mantém-se como principais atores de suas ligas em função de seu provável efeito de massa. Como consequência, é muito difícil a uma equipe rivalizar com tais equipes por 38 rodadas. Embora o Atlético de Madrid tenha voltado a figurar como terceira força, chegando em duas finais de Champions League, ainda assim não teve o protagonismo necessário para impedir que o índice H da La Liga aumenta-se nas últimas duas décadas. É provável que esse índice, na liga espanhola, aumente ainda mais, considerando que o período 2000-2019 ainda computa títulos do Valencia no início dos anos 2000.

Quando analisamos a Premie League, muitas vezes exaltada pela maior quantidade de equipes com chances reais de título e cujas principais equipes são importante atores no mercado de atletas, apresenta índice H, de 200 a 2019, similar ao de mercados estruturados em Oligopólios. Ponto interessante: desde o período 1992-2011, o índice tem caído (nessa época, o Manchester United concentrou 60% dos títulos da liga inglesa).

Porém, essa queda ocorre com alguns clubes dividindo o protagonismo, mas sem muito “acesso” ao protagonismo. Na Ligue 1, na França, a disparidade financeira do Paris Saint Germain tem feito o índice subir consideravelmente nos últimos anos.

Na contramão dessa concentração, as ligas americanas parecem mais competitivas. Além de possuir um maior número de equipes que conquistaram títulos, a divisão também foi maior. Mesmo a liga americana mais concentrada, a NBA, apresentou queda na concentração nos últimos 20 anos.

Por que isso ocorre?

Uma razoável possibilidade é que a a forma de organização das Ligas Americanas pode permitir que equipes não estabelecidas nos principais polos econômicos do país tenham grande protagonismo. O maior exemplo disso é o Green Bay Packers, localizado em cidade de pouco mais de 100.000 habitantes, ter a mesma quantidade de Super Bowls do NY Giants, localizado em um dos maiores centros urbanos e econômicos do país e do mundo.

O que você acha que vai acontecer nessas ligas nos próximos anos?

No blog do Rodrigo Capelo (Negócios do Esporte),  nosso cofundador, Rodolfo Ribeiro, faz reflexões adicionais sobre o Índice de Competitividade do Brasileirão nos últimos anos. Vale a leitura complementar.

Até a próxima!

 

[1] Veja mais em Dierickx, I., & Cool, K. (1989). Asset Stock Accumulation and Sustainability of Competitive Advantage. Management Science, 35(12), 1504-1511.

[2] Andreff, W. (2011). Some comparative economics of the organization of sports: Competition and regulation in north American vs. European professional team sports leagues. The European Journal of Comparative Economics, 8(1), 3-27.

[3] Veja mais em Sloane, P.J. (1971). The Economics of Professional Football: The Football Club as a Utility Maximizer. Scottish Journal of Political Economy, 18(2), 121-146.

[4] Indicamos o livro “Besanko et al (2013). Economics of Strategy” para melhor entendimento de alguns conceitos, caso seja do interesse do leitor