Modelos quantitativos de previsão são aplicáveis em qualquer segmento?

Postado em 17 de maio de 2018   artigos

Em outro artigo da Stadiumetric, nós abordamos formas de se analisar e prever o público esperado em uma partida de futebol. Mostramos que, a partir de ponderação entre importância do jogo e satisfação do torcedor em relação ao preço, é possível compreender como o público pagante se comportará. Alguns leitores nos questionaram da aplicabilidade deste tipo de modelagem em outros segmentos.

Neste artigo nós mostraremos que sim, é possível trabalhar com princípios metodológicos similares e aplicá-los em outros segmentos que não o Futebol Profissional. Mais especificamente, mostraremos a seguir a aplicabilidade desta modelagem no segmento da Música & Entretenimento.

Assim como ocorre nos estádios, o espaço de um evento é segmentado. Usualmente observamos camarotes, pistas, espaços premium e etc. Em caso recente atendido pela Stadiumetric, tinha-se o desafio de elaborar um modelo de previsão de público para eventos de entretenimento que possuíam diversas ofertas diferentes a uma mesma atração. Ou seja, além do conhecido espaço Pista, haviam outros espaços como Pista Premium e Camarotes. Para tornar a análise ainda mais desafiadora, os camarotes possuíam padrões de ofertas muito diferentes: em alguns era ofertado serviço de comida e bebida all inclusive, enquanto em outros o nível de serviço oferecido apresentava outras variantes. Complementarmente, os eventos eram organizados em diferentes praças do país.

À primeira vista, os dados revelavam um aparente bem de Giffen: quanto maior o preço do ingresso, maior o público presente. Portanto, um gestor, munido desta informação, implementaria estratégia de aumentos sucessivos nos preços de todos os eventos realizados. Contudo, o objetivo do trabalho era elaborar ferramental que suportasse estratégias para eventos nos quais havia-se “errado a mão” em preços – casos em que o preço se mostrou “alto demais”.

O que nos diz a teoria?

Em quais teorias podemos nos basear para resolver situações como essa? Sabendo-se que bens de Giffen são raros, convém adotar cautela antes de assumir que estamos diante de um produto que apresente estas características.

Um dos efeitos discutidos em Economia, mais especificamente no consumo dos indivíduos, é o efeito renda. Considerando a renda de um consumidor constante, preços em elevação tiram o poder aquisitivo deste consumidor, muitas vezes forçando-o a fazer novas escolhas com sua renda disponível. Quando os preços permanecem constantes e a renda aumenta, o consumidor pode mudar sua cesta de bens consumidos, adquirindo produtos que lhe atribuam maior utilidade. Dessa forma, como locais diferentes no Brasil possuem padrões de rendimentos muito distintos, o preço de um evento deve respeitar alguns pontos:

  • o potencial de público de cada praça;
  • o poder de compra dessa praça.

Para exemplificar, comparemos duas praças diferentes –  Dados extraídos do IBGE em Portal Cidades.

O Guarujá possuía, à época de nosso trabalho (entre os anos de 2017 e 2018), uma população de 315 mil habitantes, dos quais 18,9% estavam ocupadas em trabalho formal, com rendimento médio de 3,2 salários mínimos – Salario Mínimo Nacional, no valor de R$ 954,00 à época deste estudo. A cidade do Rio de Janeiro possuía 6,5 milhões de habitantes, com rendimento médio de 4,3 salários mínimos e 43,1% de ocupação.

Esses dados já sinalizam que um preço de R$ 100,00 na cidade do Rio de Janeiro pode ser percebido como “barato”, enquanto no Guarujá esse mesmo valor seria “demasiadamente caro”. Além disso, o número de habitantes na cidade do Rio de Janeiro equivalente a mais de 20 vezes a população do Guarujá, traz mais uma disparidade ao público potencial em um evento com as mesmas características nessas duas localidades distintas.

Como analisamos os dados?

Em respeito aos acordos de confidencialidade assinados, não podemos aqui expor a modelagem resultante. Entretanto, alguns conceitos que permearam o trabalho podem ser comentados:

  • a Stadiumetric considerou as diferentes características socioeconômicas das cidades estudadas, consolidando as informações secundárias na melhor solução ao parceiro;
  • em alguns eventos, a origem da compra dos bilhetes ocorria, em maior proporção, em municípios vizinhos ao da realização do evento. Além disso, tais municípios possuíam renda média diferente da praça na qual o evento se realizava;
  • o tratamento das variáveis, com abordagem segmentada geograficamente, permitiu a geração de modelagem que respeitou, entre outras variáveis, os seguintes parâmetros: cidade, poder de compra, dia do evento, festividade em questão, artista alocado para show, tendência de mercado e serviços oferecidos.

E os resultados?

Esse tratamento permitiu que um mesmo modelo matemático previsse o público de diversas situações, pois as variáveis foram ajustadas respeitando-se as características de público potencial e poder de compra. Alguns exemplos da previsão, para um setor específico de eventos diferentes, mostram esse efeito:

  • Preço Nominal de R$ 700,00 gera um público esperado de 1200 pessoas;
  • Preço Nominal de R$ 215,00 gera um público esperado de 400 pessoas.

O erro máximo de previsão, nos eventos acima estudados, foi inferior a 5% do público observado. Nesses dois eventos em particular, fica claro o papel do poder de compra em relação ao preço nominal do ingresso, pois o evento com maior demanda possuía o preço nominal mais caro. Contudo, em nossa modelagem, o preço relativo[1] era menor nessa situação, gerando exatamente o resultado esperado: preços relativos menores tendem a gerar públicos maiores.

Analisando o total de eventos realizados, incorrendo em mais de 200 medições de público vs. preço, o erro total, dado pela diferença entre a soma de todas as previsões e a soma de todos os públicos, foi inferior a 1%. Entretanto, observaram-se outliers na previsão, com erros acima desse valor – eventos nos quais a base analisada não refletia 100% da demanda do evento

Conclusões

Muitas pessoas nos questionam se encarar planejamento de demanda como algo sem o espaço para a intuição é realmente factível. Assim como na obra de Mintzberg, na Stadiumetric acreditamos que análise e intuição andam juntos.

Algumas variáveis no modelo comentado nesse artigo foram obtidas mediante o ajuste intuitivo dos gestores, como a qualificação do artista principal do evento. Isso foi feito mediante reuniões com os responsáveis pela alocação das atrações, nas quais se categorizou os artistas em função do apelo junto ao público. Essa atribuição qualitativa mostrou-se efetiva, pois as categorias criadas refletiram exatamente o efeito esperado: artistas de maior apelo incrementavam público em uma proporção sensivelmente maior do que os de menor apelo. O mais interessante dessa fase da geração do modelo de previsão foi que, em alguns casos, o mesmo artista possuía atribuição diferente, pois sua popularidade pode se alterar ao longo do tempo. Nessas situações ficou evidente o papel da intuição.

Esperamos que este artigo tenha te ajudado a compreender um pouco mais sobre o planejamento e segmentação da demanda de uma empresa. Qualquer dúvida que tenha ficado, não hesite em nos procurar.

Até a próxima!

[1] Resultado da ponderação do preço nominal com o público potencial e poder de compra