Afinal, qual o melhor preço para o ingresso de um jogo?

Postado em 20 de dezembro de 2017   artigos

O assunto é muitas vezes polêmico e sua discussão constante. Quando se trata de decisão, há diversas notícias sobre os preços dos ingressos. Há um caso que ilustra bem a sensibilidade do tema: o Procon foi acionado em função dos valores cobrados pelo CR Flamengo em jogo válido pela na Copa do Brasil.

Como os clubes deveriam definir o preço do ingresso? O preço deve ser sempre igual, independente do jogo, campeonato, fase e adversário? Ou esse preço deveria variar?

Falar em melhor preço é simplista demais. Muito embora o torcedor, um consumidor com uma série de particularidades, queira pagar o menor valor possível e os clubes o cobrarem o maior valor possível, há diversos outros fatores além do preço a serem considerados para lotação ou não de um jogo de futebol – ex: espetáculo fica muito mais atraente e prazeroso com maior ocupação, além do retorno técnico que a torcida traz ao time da casa. Com base nos jogos realizados por um grande clube nos últimos dois anos (2016 e 2017), conseguimos compreender melhor as variáveis explicam o público pagante de um jogo.

O que nos diz a teoria?

As teorias vinculadas a esse tipo de análise podem ser variadas. Afinal, estamos falando de demanda (compra) por parte de indivíduos (torcedores). Algumas teorias de Marketing, Comportamento do Consumidor e Microeconomia podem nos ajudar a entender a formação do público em um jogo de futebol. Para tanto, nos basearemos em dois pressupostos teóricos:

  • o preço do ingresso interfere na quantidade demandada. Ou seja, assume-se que a demanda por ingressos sofre a interferência do preço;
  • as características do jogo também interferem na demanda. Ou seja, assume-se que adversário, horário da partida, campeonato disputado, entre outros, são fatores que interferem na utilidade do que é consumido.

Como analisamos os dados?

Técnicas de Regressão para a explicação/previsão da demanda de produtos e serviços são amplamente aceitas no universo acadêmico. Do que se tratam essas técnicas? De forma muito resumida, essas técnicas permitem estabelecer uma fórmula matemática que prevê/explica a demanda futura de um determinado produto/serviço por meio dos dados observados.

Abaixo ilustramos de forma simplificada, com os exemplos a seguir:

No Exemplo 1 temos apenas “Público” e o “Preço do Ingresso”. Nota-se que o público aumenta quando o preço baixa de R$ 20 para R$ 10, mas em um dos jogos com esse valor de ingresso o público é maior. No Exemplo 2, temos os mesmos dados do Exemplo 1, além da classificação do adversário (pequeno ou grande, apenas).

Ao aplicarmos a Técnica de Regressão nos dados acima, obteríamos as seguintes fórmulas de previsão:

  • Exemplo 1: D = 35.000 – 1.250 x P; onde “D” é a demanda ou público do jogo e “P” é o preço do ingresso. A leitura desta expressão poderia ser feita da seguinte forma: estima-se que um jogo com ingresso gratuito, ou P = 0, teria público de 35 mil pessoas. Ou seja, para cada R$ 1 de aumento no valor do ingresso, 1.250 pessoas deixam de ir ao estádio. Essa fórmula não garante 100% de acerto no público. Afinal, aplicando P = R$ 10, o público estimado seria de D = 22.500. Há um coeficiente utilizado pelos pesquisadores denominado R², que significa a qualidade do ajuste da fórmula estimada pela técnica de Regressão. Nesse exemplo, o R² é igual à 89,3%. Isso significa que 89,3% da variação de público é explicada pela variação de preço determinada pela fórmula.
  • Exemplo 2: D = 30.000 – 1.000 x P + 5.000 x A; onde “A” é a variável adversário codificada de forma binária (ex: “0” para adversário pequeno e “1” para adversário grande). Aplicando essa fórmula nos dados do Exemplo 2, é possível observar que a demanda estimada é exatamente a observada. Assim, o R² deste modelo é de 100%. Ou seja, 100% da variação de público é explicada pelas variáveis preço e tipo de adversário.

Modelo Gerado

Para complementarmos o exemplo acima, estudamos os borderôs de 2016 e 2017 de um grande clube paulista, totalizando 65 jogos realizados em seu estádio. Ao avaliar as bilheterias foi possível verificar um aparente paradoxo: o jogo de maior público pagante também foi o jogo com maior valor de ingresso. Esse comportamento seria, considerando uma das premissas adotadas, um contrassenso. Entretanto, constata-se que este aparente contrassenso foi uma semifinal de Libertadores da América. Complementarmente, o jogo de menor público entre os anos de 2016 e 2017 foi jogo válido pela 1° Fase do Campeonato Paulista.

As observações descritas anteriormente nos mostram que nesses jogos se percebe valores distintos entre eles. Marketing define “valor” como a combinação de qualidade, serviço e preço. Para ponderar o valor do jogo, recorremos ao trabalho apresentado no Simpósio de Estudos sobre o Futebol. Neste trabalho foi decomposta a satisfação do torcedor de acordo com o sucesso obtido pelo clube em cada torneio disputado – torcedores de times considerados “grandes” no cenário nacional. De acordo com esse estudo, um clube disputando apenas campeonatos nacionais (ex: Estadual, Brasileiro e Copa do Brasil), terá o desempenho esportivo em cada competição afetando a satisfação de seu torcedor na seguinte medida:

  • Campeonato Estadual: 11%;
  • Copa do Brasil: 30% e;
  • Campeonato Brasileiro: 59%.

Tomando essa ponderação como base, podemos dizer que, sem a influência do horário de jogo ou tipo do adversário, um jogo valendo o título Brasileiro “vale” cerca de 5 (5,36: 59%/11%) vezes mais do que um jogo valendo o título Estadual, por exemplo. Assim, o modelo formulado assume a seguinte função:

  • Demanda = β.Valor, onde:
  1. Valor é a relação entre Importância/Preço; ou seja, a importância do jogo na satisfação do torcedor e o preço do ingresso cobrado. Desta forma, preços mais baixos aumentam o valor e a demanda por determinado jogo. Os mais atentos já perceberam que, ao trabalhar dessa forma, para um mesmo preço de ingresso, um jogo de maior importância também trará mais público;
  2. β é o fator obtido pela técnica de regressão para a projeção do público em função do valor. Também incluímos no modelo outras variáveis: adversário (adversário pequeno, grande nacional ou clássico municipal), horário do jogo (manhã, tarde, início de noite ou noite) e estreia de jogador.

Quais as conclusões que chegamos?

Você pode ter lido até agora e pensar: “mas para quê serve isso?”. Ao obter uma fórmula de previsão de demanda, o gestor pode utilizá-la para gerir da melhor forma o seu público e receita. Ou seja, a partir desses dados, o gestor de um clube pode constantemente escolher entre Lucro Máximo ou Público Máximo em cada um de seus jogos como mandante em uma temporada.

A fórmula obtida, considerando todos os clubes e jogos desse clube nos anos de 2016 e 2017, nos dá as seguintes informações:

  • a relação entre importância do jogo e preço nos dá uma amplitude de público de 102 mil pessoas para ser trabalhada. Ou seja, um jogo muito importante e com preço baixo deixaria pessoas para fora do estádio, em função da restrição de oferta de assentos. Por outro lado, jogos com baixa importância apresentam limitado potencial de público para ser explorado por meio do preço. Ou seja, a redução de preço pode não ser suficiente para lotar o estádio;
  • um clássico municipal traz, em média, 15 mil pessoas a mais ao estádio, não considerando a relação Importância do Jogo/Preço do Ingresso. Podemos sugerir que clássicos municipais, os chamados derbys, têm relevância própria ao torcedor;
  • estreias de jogadores/técnicos de interesse do torcedor têm alto potencial de atração de público (exploraremos de forma mais aprofundada este assunto no futuro);
  • jogos realizados pela manhã despertam maior interesse do torcedor em relação a jogos realizados em outros horários.

O gráfico abaixo apresenta os impactos dessas variáveis para um determinado jogo. O efeito destacado como “outras variáveis” é o erro do modelo gerado. A relação Importância do Jogo/Preço do Ingresso foi positiva, trazendo 25.283 pessoas ao estádio. Com um preço 40% menor, por exemplo, essa relação atrairia 30.000 pessoas ao estádio. O adversário em questão, um clássico municipal, atraiu mais 15.001 pessoas ao jogo.

O horário do jogo, 11h, contribuiu positivamente em 6.508 pessoas. Como o jogo não teve nenhuma estreia relevante, houve contribuição ZERO desta variável.

O erro da previsão, ou erro aleatório do modelo, foi de 3.645 pagantes.

Todo modelo apresenta erro. Afinal, há sempre variáveis difíceis de serem capturadas. Nessa análise, não consideramos possíveis efeitos climáticos, por exemplo. Tampouco a sequência de jogos foi testada. Sabemos que a chuva afasta público e que quando o clube “engata” uma sequência de bons resultados o público tende a aumentar. Contudo, esse modelo já apresenta uma previsibilidade bastante razoável de receitas e ocupação do estádio. Isso facilita o dimensionamento de recursos envolvidos em um jogo de futebol: serviços de alimentação, número de catracas, quadro móvel, n° de ambulâncias, etc. Complementarmente, o clube pode ter maior previsibilidade em suas receitas de bilheteria. A estreia de um ídolo também pode ser utilizada pelos clubes para atrair torcedores em jogos sabidamente de baixa demanda.

Enfim, estes são apenas alguns exemplos de decisões que podem ser tomadas, de maneira mais assertiva, com Informações de Inteligência geradas acima.

Até a próxima!